Arthur Engrácio, saudoso e respeitado membro do Clube da Madrugada, escrevia uma coluna com a denominação de VALORES INTELECTUAIS DA NOVA GERAÇÃO, quando fez a apresentação de Carlos
FARIAS Ouro de CARVALHO.
A publicação, que ocorreu em 20 de maio de 1956, no matutino O Jornal, vai aqui postada.
É comum, quando falamos de poetas, imaginarmos logo tipos
esbeltos de mancebos, negros bigodes, bastas cabeleiras onde não faltam o
brilho e as ondulações seducentes. Este de que vos falarei, porém, não possui
nem bigodes, nem cabeleira e a sua figura, Ionge de parecer-se à de um Adônis,
assemelha-se mais a de um rico burguês.
Refiro-me a Carlos Farias Ouro de Carvalho. Nasceu esse mui
dileto filho de Orfeu em Manaus, a 8 de setembro de 1930. Iniciou os seus
estudos muito cedo. Percorreu quase todos os grupos escolares, indo concluir o
curso primário no colégio do professor Vicente Branco, o celebérrimo Vicentão, o espantalho dos garotos
rebeldes e pouco amantes dos livros; o mestre-escola que faria da férula a sua
bandeira de combate nos entrechoques com os alunos relapsos.
Não chegou, todavia, além do 3° ano ginasial. Seu espírito insurgente,
refratário ao regime de obrigatoriedade vigente nos estabelecimentos de ensino,
não podia harmonizar-se, é bom de ver, às normas didáticas a que pretendiam
submetê-lo. E preferiu continuar estudando por conta própria.
Por muito tempo foi o capitão-mor da “pelada", do papagaio
e da bola de gude nas rampas verdejantes do mercado e da praça dos Remédios;
ajudou, juntamente com o Manuel "Doido", monsenhor Oliveira na
celebração de missas (é ele quem relembra, hoje, esses episódios num poema
cheio de lirismo); comandou turmas de garotos, no apedrejamento de vidraças e
mangueiras; foi, enfim, o enfant terrible
de maior projeção e renome da sua zona.
Aos quatorze anos começou a sentir os primeiras pruridos
poéticos, que não o mais deixariam, vindo a transformá-Io no vate vigoroso de
nossos dias. Seu "debut" no Parnaso fez-se com o estilo clássico, do
qual tornou-se apóstolo fervoroso. Mas, foi somente com a influência de Jorge Tufic
que criou personalidade literária, passando-se com malas e bagagem para a corrente
modernista, que, nascida, do movimento de 22, àquela época encontrava-se, já,
no apogeu.
Pobre e humilde, o poeta, desejoso de melhorar de vida, aos quinze
anos, transportou-se para o Rio de Janeiro. Lá, sem recursos e conhecidos, para
manter-se, teve que transformar-se em vendedor de bombons a lavador de garrafas.
Na metrópole, ainda, pela força dos seus méritos intelectuais, fez parte da
Sociedade Carioca de Letras – núcleo literário tomado por estudantes jovens e
talentosos, cuja cadeira era de número 18, tendo por patrono Paulo Setúbal.
Em 1954, já radicado definitivamente em Manaus, Farias assume uma posição de destaque no panorama
político-social do Estado.
Fervilhava o caldeirão político àquele época. A luta pela sucessão
governamental havia sido lançada. O PSD e o PTB, as facções de maior prestígio no
seio das massas, tinham lançado, já, o nome de seus candidatos. E o vate
decide-se tomar partido pela causa do primeiro. Sob o pseudônimo de "Barão
Língua de Trapo" saiu para a luta. Sua arma: o verso; seu objetivo: a moralização
dos costumes. Novo Castro Alves, seus versos satiricamente malévolos, iam ferir
em cheio o adversário, que esteve a pique de desertar da campanha.
Esses sonetos, hoje remoídos, dariam um volume apreciável.
Orador de raça, autodidata, fala e escreve corretamente o inglês.
Conhece um pouco da língua de Racine e Molière.
Em 1952 fez parte de uma caravana de poetas amazonenses que se
propuseram a difundir por todo o Brasil o nome do Amazonas literário. Dotado de
um coração boníssimo, nunca chegou a inimizar-se seriamente com ninguém. Tem
horror às intrigas.
Como poeta, sua técnica é impecável. Não costuma trabalhar o
verso. Seus sonetos e poemas nascem-lhe com uma singular espontaneidade, o que
se verifica através da ideia sempre límpida, simples e bem ajustada.
Sua poesia é dominada pelas duas constante: infância e o tema
social. Homem do povo, vindo de muito baixo, já tendo passado pelas maiores
vicissitudes na vida, não poderia sentir outra influência. E no belíssimo poema
Carta ao Poeta Paulo Monteiro de Lima
que vamos encontrá-lo perfeitamente realizado:
Paulo,
ontem
quando um menino de olhos fundos
me
abriu a mão ossuda e pequenina
e
disse: - Moço eu tô com fome...
senti
que tu estavas do meu lado.
Senti
porque chorei, e as minhas lágrimas
Vinham
com o gosto quente do teu pranto
Vi
os teus olhos nos olhou famintos
do
menino descalço e esfarrapado
de
mãozinhas abertas como lírios
que
estivessem morrendo, murchos, frios
sem
adubo, sem sol, sem primavera.
Paulo,
como
tu viste ontem, meu amigo,
depois
que tu partiste, este mundo canalha
não
melhorou em nada. As crianças
andam
ainda chorando nas esquinas,
as
mulheres parindo nos prostíbulos,
..................
...................... ...................
E
uma porção de fraques e cartolas,
de
buchos barrigudos e burgueses
toma
conta de tudo. A dor é a mesma.
O
saque é o mesmo. As máscaras
se inventam sempre mais
cretinas.
Luto, miséria, dor,
lágrima, fome...
Possui um livro de poesia, Baú
Velho, que pretende publicar ainda este ano. As coisas que mais quer bem na vida — diz-nos ele — são: a sua família, os seus amigos e o Clube da Madrugada, do qual é um dos
maiores expoentes.
Seu ideal é continuar escrevendo a fim de que, com o seu esforço,
conjugado ao dessa mocidade que no momento começa a compenetrar-se do seu
dever, para dar ao Amazonas um lugar de destaque no cenário literário da Nação,
e quiçá do Mundo.
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