Óscar Ramos |
Em sua homenagem, transcrevo deste a crônica publicada no Jornal do Commercio, em 20 jan. 1959.
Quando a vontade impera
- É rápido. Vamos aqui. Somente o tempo de comprar umas cuecas. Gostas de peixe?... Ótimo. Então vais almoçar uma peixada comigo, lá em casa.
Isso dizia o meu amigo, ainda freando o carro, depois de minha alegação de que estava com pressa. Hesitei. As refeições em sua casa, regadas com bom vinho português, são demoradas e absorventes. Tinha dormido mal a noite anterior e tencionava tirar uma sesta logo após o almoço.
Ir à peixada era renunciar à sesta. Continuei hesitando. Mas só por momentos. Entre a gororoba do restaurante e a peixada, decidi por esta última em sacrifício do sono atrasado.
Entrei com o amigo no magazine. Pelos vistos, parecia ser freguês habitual da casa pois assim o demonstrou o gerente que se adiantou risonho para o atender.
- Quer-me embrulhar seis cuecas nº 70, por favor?
- Meu caro, cuecas nº 70 não temos. Mas acabamos de receber uns paletós, última moda no Rio. Quer ver?
- Não. Não quero ver. Quero cuecas nº 70.
- É... De fato estamos com falta de cuecas desse número. Mas o senhor não quer dar uma olhada nuns blusões que acabam de chegar?
- Não, meu amigo. Eu quero cuecas nº 70. Cuecas nº 70, ouviu? Mas se tiver de modificar essa minha vontade, não desejo nem paletós, nem blusões. Arranje-me aquela “dona boa” que está no caixa. Palavra de honra que a troco pelas cuecas.
Não esperou a resposta do homenzinho, que ficou meio aparvalhado com tirada tão abrupta. Agarrou-me pelo braço e puxou-me para fora, enquanto a “dona boa” nos acompanhava com olhares ternos a despeito de sua cotação tão baixa.
Já no carro, ponderei. C´os diabos! A mulher vale mais que seis cuecas!
- Aquele sujeito é um imbecil, -- vociferou o meu amigo, sem prestar atenção ao que eu dizia. Não me admira nada se qualquer dia me oferecer lixa nº 1. Toda vez é isto. Sujeito chato!...
A peixada estava ótima e o vinho maravilhoso. Abordamos vários assuntos com a eloqüência que o “Gatão” nos ia inspirando. Discutimos política e futebol. Comentamos o super-super campeonato carioca. Fizemos brindes ao Vasco. Os assuntos tornavam-se mais complexos e nós mais à vontade para discuti-los à medida que as garrafas de “Gatão” eram esvaziadas.
Então vieram à baila os métodos modernos de educação. O meu amigo concordava com eles. Ainda era partidário do marmeleiro e da palmatória. Nada melhor para quebrar um complexo de adolescente que o marmeleiro. E fez a apologia dos modos que seus pais usaram para o educar:
- Aquilo sim, é que era educação. Reflexos condicionados, meu velho, - dizia, espetando o dedo no ar. No duro. Reflexos condicionados. Senão vê só: Safadeza... marmeleiro aplicado filosoficamente no fundo das costas... Dor... Que fazíamos para evitar a dor, naqueles nossos bons tempos?... Evitar as tolices. Não é isso mesmo? Mas a peixada está ótima, nas achas?...
E naquele seu entusiasmo “macro-felínico” levantou o pediu mais peixe à sua senhora, uma verdadeira santa, que ouvia a conversa sem comentar.
- Não, não tem mais, meu bem. Experimente o filé que está ótimo.
- Lá vem você, querida!... Já parece o homem da loja. Eu não quero filé. Quero cuecas nº 70!!!
Nenhum comentário:
Postar um comentário