Capa da Revista |
Para comemorar a passagem de ano, o Ideal
Clube fez circular, ao final de 1958, sua revista. Trazia na capa, sem que haja
indicação do autor, uma charge sobre o Novo e o Velho ano.
Entre outras colaborações e registros de
festas, encontra-se o artigo A Felicidade,
do lembrado padre Nonato Pinheiro que, como vinha assinalado, pertencia à
Academia Amazonense de Letras, datado de novembro de 1958.
O texto segue reproduzido, e igualmente um
anúncio do então Banco de Crédito da Amazônia, ainda em atividade.
A Senhora Cyra Gesta Archer
Pinto, dama das mais distintas de nossa sociedade, pediu-me uma página para a
revista do IDEAL CLUBE.
Deu-me plena liberdade de escolha, com relação ao assunto.
Pensando no esplendor do
salão aristocrático do clube da Eduardo Ribeiro, onde as joias refulgem entre
os tecidos coloridos e o tinir das taças, fuzilou-me na mente a ideia de
escrever duas linhas sobre a felicidade.
É um tema explorado, mas
sempre sugestivo, porque é um dos anseios do coração humano. Todos querem ser
felizes, e muitos procuram ardentemente a felicidade, na qual fazem consistir
toda a beleza da vida.
Os poetas, sobretudo,
exploram esse veio fecundo. Quase todos, porém, são unânimes em ressaltar a
ilusão da felicidade, ou pelo menos a sua fugacidade. Quando chega, ou quando
se deixa alcançar, nunca é em plenitude. É uma rosa vermelha e atraente, cujo
colorido deslumbra, mas sempre se acompanha de espinhos pungentes, como as
rosas dos nossos jardins.
E' uma espécie dessas
miragens do deserto, terrivelmente sedutoras e falazes. De longe, é o cromo que
empolga a vista do viandante; de perto, é a desilusão amarga, mero efeito de
ilusão ótica.
Outros perguntam se a
felicidade existe, ou se é uma quimera. Um poeta parece que acertou, quando
escreveu esta resposta com muita argúcia: "Existe, sim, mas nós não a
alcançamos, / Porque está sempre apenas onde a pomos, / E nunca a pomos onde
nós estamos..."
Creio que esse inspirado
aedo foi sobremodo feliz em estabelecer essa distinção. Nunca estamos
satisfeitos com o que somos, ou onde nos encontramos. Sempre sonhamos com
outras condições. Nossa imaginação irrequieta sempre procura graus superiores
àquele em que nos encontramos.
Nesses graus mora a
felicidade, mas se atingimos um grau acima, sentimos logo um vazio
inexprimível. É a insatisfação humana, que se nutre de leviandades e sonhos de
quimera. Os mestres da vida espiritual, mais sensatos, ensinam que a felicidade
é a paz que brota de uma consciência tranquila, pelo dever cumprido.
Anúncio circulado na Revista |
O que extrapassa essa
órbita, cai no campo das utopias e das quimeras, que não podem constituir o
pábulo do espírito. Muitos corações bem formados entendem que a felicidade pode
ser encontrada numa criteriosa e salutar modéstia, cerrando-se as portas das
ambições descabidas.
Encontrei, a propósito, um
trecho cintilante num dos salmos da Bíblia. O salmista dá-nos esta lição
preciosa, que é um roteiro iluminado: Non
prosequor res grandes aut altiores me ipso (Não aspiro a grandezas, ou a
coisas que excedem minha capacidade). E termina lindamente, afirmando que
acalmou sua alma (pacavi animam meam),
e ficou tranquilo como uma criança no regaço materno...
A felicidade não pode
consistir, pelo menos com exclusividade, na cultura, na riqueza, na saúde, no
prestígio ou na glória. Repousa antes de tudo na paz da consciência.
Como quer que seja, há
sempre o remédio ou o licor capitoso das esperanças, que sempre iluminam a
vida. E as que sofrem, também dormem, e têm lindos sonhos de felicidade.
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