CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

quinta-feira, agosto 25, 2016

IDEAL CLUBE - 1958



Capa da Revista
Para comemorar a passagem de ano, o Ideal Clube fez circular, ao final de 1958, sua revista. Trazia na capa, sem que haja indicação do autor, uma charge sobre o Novo e o Velho ano.

Entre outras colaborações e registros de festas, encontra-se o artigo A Felicidade, do lembrado padre Nonato Pinheiro que, como vinha assinalado, pertencia à Academia Amazonense de Letras, datado de novembro de 1958.

O texto segue reproduzido, e igualmente um anúncio do então Banco de Crédito da Amazônia, ainda em atividade.  



A Senhora Cyra Gesta Archer Pinto, dama das mais distintas de nossa sociedade, pediu-me uma página para a revista do IDEAL CLUBE. Deu-me plena liberdade de escolha, com relação ao assunto.

Pensando no esplendor do salão aristocrático do clube da Eduardo Ribeiro, onde as joias refulgem entre os tecidos coloridos e o tinir das taças, fuzilou-me na mente a ideia de escrever duas linhas sobre a felicidade.

É um tema explorado, mas sempre sugestivo, porque é um dos anseios do coração humano. Todos querem ser felizes, e muitos procuram ardentemente a felicidade, na qual fazem consistir toda a beleza da vida.

Os poetas, sobretudo, exploram esse veio fecundo. Quase todos, porém, são unânimes em ressaltar a ilusão da felicidade, ou pelo menos a sua fugacidade. Quando chega, ou quando se deixa alcançar, nunca é em plenitude. É uma rosa vermelha e atraente, cujo colorido deslumbra, mas sempre se acompanha de espinhos pungentes, como as rosas dos nossos jardins.

E' uma espécie dessas miragens do deserto, terrivelmente sedutoras e falazes. De longe, é o cromo que empolga a vista do viandante; de perto, é a desilusão amarga, mero efeito de ilusão ótica.

Outros perguntam se a felicidade existe, ou se é uma quimera. Um poeta parece que acertou, quando escreveu esta resposta com muita argúcia: "Existe, sim, mas nós não a alcançamos, / Porque está sempre apenas onde a pomos, / E nunca a pomos onde nós estamos..."

Creio que esse inspirado aedo foi sobremodo feliz em estabelecer essa distinção. Nunca estamos satisfeitos com o que somos, ou onde nos encontramos. Sempre sonhamos com outras condições. Nossa imaginação irrequieta sempre procura graus superiores àquele em que nos encontramos.

Nesses graus mora a felicidade, mas se atingimos um grau acima, sentimos logo um vazio inexprimível. É a insatisfação humana, que se nutre de leviandades e sonhos de quimera. Os mestres da vida espiritual, mais sensatos, ensinam que a felicidade é a paz que brota de uma consciência tranquila, pelo dever cumprido.

Anúncio circulado na Revista
O que extrapassa essa órbita, cai no campo das utopias e das quimeras, que não podem constituir o pábulo do espírito. Muitos corações bem formados entendem que a felicidade pode ser encontrada numa criteriosa e salutar modéstia, cerrando-se as portas das ambições descabidas.

Encontrei, a propósito, um trecho cintilante num dos salmos da Bíblia. O salmista dá-nos esta lição preciosa, que é um roteiro iluminado: Non prosequor res grandes aut altiores me ipso (Não aspiro a grandezas, ou a coisas que excedem minha capacidade). E termina lindamente, afirmando que acalmou sua alma (pacavi animam meam), e ficou tranquilo como uma criança no regaço materno...

A felicidade não pode consistir, pelo menos com exclusividade, na cultura, na riqueza, na saúde, no prestígio ou na glória. Repousa antes de tudo na paz da consciência.


Como quer que seja, há sempre o remédio ou o licor capitoso das esperanças, que sempre iluminam a vida. E as que sofrem, também dormem, e têm lindos sonhos de felicidade. 

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