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quarta-feira, agosto 24, 2016

CRÔNICA DE GENESINO BRAGA

O saudoso cronista Genesino Braga, em seus primeiros anos de Manaus, escrevia na revista mensal Victoria- regia, em página intitulada de Era assim...
A colaboração inserida em abril de 1932 vai abaixo transcrita. Nela, descreve uma das formas de fazer política na Província, narrando um causo ocorrido à época das eleições, que envolvia o barão do Solimões, apenas secretário do governo.



ERA ASSIM...
(Crônicas da História Amazonense)

Genesino Braga

Recorte da página da revista Victoria-regia, abril de 1932

AQUELE pleito de 1881, o partidarismo de Alarico José Furtado tocava as raias do escandaloso. Homem de Partido, governava pelo Partido para o Partido. Nas eleições, não admitia candidato que não fosse destacado do seu grêmio. Chegava, mesmo, a considerar uma afronta ao poder o aparecimento de votos, nas urnas, para elementos contrários.


Aproximavam-se as competições eleitorais para a deputação geral. Na esquerda, o Diretório Liberal se desdobrava na propaganda dos seus candidatos, em reuniões sucessivas, deliberando, discutindo, organizando, forte, coeso, disciplinado.



* * *
Na manhã daquele radioso 4 de setembro, após um relance de olhos pelo [jornal] Amazonas, o presidente da Província não conteve a surpresa que lhe causara aquela nota.



-- Mas será possível?!..., soliloquava. Pois, também, o Barão?! Não acreditava. Devia haver naquilo tudo, uma perfídia qualquer.



Realmente, sob o título “Candidaturas”, a “Seção Política” daquele matutino publicava, nesse dia, uma circular de propaganda eleitoral do Partido Liberal. E, dentre as assinaturas, se destacava insultuoso, ostensivo, afrontoso, desaforado, tomando proporções gigantescas em meio aos demais, o nome venerando e respeitável de Manoel Francisco Machado, o velho barão do Solimões, seu secretário de Estado.



* * *
No dia 12 do mesmo mês, Manoel Francisco recebia um ofício em que Alarico Furtado lhe recomendava declarasse se era verdade que, como membro de um Diretório de Partido, havia assinado circulares solicitando votos para candidatos à deputação geral nas próximas eleições.



O barão-secretário passou dois dias remoendo a resposta. Deu-a, afinal, a 14, afirmando que, desde 1879, era membro do Diretório Liberal nesta capital e que, como tal, havia assinado, em fins de abril e princípios de maio últimos, uma circular dirigida às comissões do Partido nas paróquias da Província; mas que essa circular não tivera por fim solicitar votos e sim, unicamente, consultar as referidas comissões acerca dos candidatos à deputação geral.



Essa informação não satisfez as exigências de Alarico. Novo ofício expediu no dia seguinte. Queria que Manoel Francisco informasse se havia assinado ou não a circular publicada no Amazonas. A resposta foi seca, decisiva, enérgica: -- Não assinara a circular e, se o houvesse feito, teria declarado, já, no ofício anterior.



* * *
Alarico José Furtado era um homem que vivia vibrando dentro do seu próprio temperamento esquisito. Dele podia-se dizer: “Engole um boi; mas se engasga com um mosquito”.



Ao receber a resposta do barão, cerrou os punhos com energia, sustentou no vácuo um murro quente e rijo para depois fazê-lo vibrar, violento e arrogante, sobre a mesa de trabalho.
-- Desaforado!



No dia seguinte novo ofício ao secretário. Determinava que, à vista de um aviso de 6 de agosto, do Ministério dos Negócios da Fazenda, abandonasse o lugar de membro do diretório. Só isto.



Manoel Francisco, perspicaz e arguto, compreendeu a delicadeza da situação e as intenções do ofício. Conhecia o meio e os homens. Não se perturbou. Acendeu um charuto com a serenidade e a convicção do homem que conhece a si próprio e, ao fim de algumas largas baforadas, tinha pronta a resposta ao presidente. Conhecia o aviso citado e, não obstante, não abandonara espontaneamente a posição política de membro do Diretório Liberal, por que o aviso aludido não se referia senão aos chefes de repartições de Fazenda que fizessem parte de Comissões Diretoras de Eleições e não de partidos, e, ainda mais, porque, sendo o fim do aviso de meio à execução do programa do governo relativamente às próximas eleições, acerca das quais tinha formado o mais nobre, mais justo e patriótico propósito de deixar à Nação a mais completa liberdade de escolher os seus representantes, lhe parecia que o aviso não podia referir-se aos diretores de partidos sem que fosse contraditório consigo mesmo; pois que -- obrigar o cidadão a abandonar a posição que ocupava perante o seu Partido somente por ser chefe de repartição, nada mais traduzia do que uma pressão exercida sobre a sua liberdade política, uma restrição imposta à sua esfera de ação; e isto ninguém provaria nunca, a seu ver, que não fosse uma intervenção, senão de um, de outro modo, isto é, direta ou indiretamente.



Assim compreendia o aviso que, versando sobre matéria odiosa, devia ser entendido restritamente. S. Exa., porém, pensava de maneira muito diversa e, como não era político somente com o governo, que, como o atual -- principalmente em relação às ideias que em política representava -- devia a sua existência à política liberal e, ainda mais, porque o sacrifício da posição perante o seu partido importava o das suas crenças políticas, tinha a honra de declarar a S. Exa. que continuaria fiel ao seu partido.



* * *

Seis dias após a remessa desta carta, que revelava a envergadura inquebrantável e a nobreza e altivez de caráter de um político de escol, o velho barão do Solimões, secretário do Estado, entrava no gozo de três meses de licença e embarcava para o Rio de Janeiro por entre grandiosas manifestações de seus correligionários.

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