Carvalho Leal |
A rua Coronel Sérgio
Pessoa, de apenas um quarteirão situada na lateral esquerda da igreja dos Remédios,
no Centro Histórico, poucos conhecem. O homenageado
foi reverenciado em artigo jornalistico (abaixo reproduzido), no qual teve ligeiramente
delineada sua atuação em Manaus, pelo ex-vice-governador do Estado, Deoclides
de Carvalho Leal (1971-75). (*)
Aproveito para incluir uma palavra: na revolução de dezembro de 1892, participaram alguns sargentos da Força Policial do Estado, a Polícia Militar de nossos dias.
Ainda bem que o não esqueceram de todo. Pequena rua, ao lado da igreja dos Remédios, ostenta-lhe, orgulhosa e merecidamente o nome. Raros, todavia, nos dias tumultuários de hoje lhe recordam as grandes realizações decorrentes da longa e profícua atividade política. Os mortos vão depressa e o tempo é pouco para adorar os vivos — disse alguém. Sérgio Rodrigues Pessoa, filho do Doutor Joaquim Rodrigues da Motta, culto e austero magistrado paraibano e de Dona Maria Florencia Pessoa, hábil e excelente prática de farmácia, teve o sobrenome registrado, segundo os usos e costumes da velha Espanha.
Nasceu
no Ceará, em Sobral, a 9 de setembro de
1859, e, desprezando títulos
universitários, confiante apenas no tino
comercial que lhe era inato, parte, nas ardentias da mocidade, com milhares de outros conterrâneos, para a grande aventura. Manaus o deslumbra. Após
três anos de balcão, estabelece-se,
por conta própria, e vê prosperar
rapidamente a firma fundada, com
audácia e força de vontade, onde
amealha regular fortuna. Mas, a borregã
lasciva, — de que fala um dos grandes
do Império —, o espreita, de longe, e
lhe estende os braços feiticeiros a que
não soube resistir.
Ei-lo, agora, envolvido na política de que nunca mais se libertará. Filia-se ao Partido Liberal, com a lealdade e o desassombro, que o acompanharam a vida inteira. Com a queda da Monarquia, acolhe-o o Partido Nacional, quando se liga, para sempre ao governador Thaumaturgo de Azevedo, o que teve a seu lado nas horas tempestuosas da vida daquele
militar.
Sob a égide do amigo fiel, ingressa na politica
partidária e já inicia a longa caminhada que duraria meio século.
Ocupa cargos de alta relevância como deputado à Junta
Comercial de que foi Presidente,
diretor e presidente do Banco do Amazonas, provedor da Santa Casa, deixando em todos a marca de exemplar probidade. Exibia,
com ufania, a patente de coronel da Guarda Nacional.
Ardendo de amor pela cidade que o acolhera na juventude, onde contraíra uma cadeira de intendente municipal, hoje vereador, matrimônio e lhe nasceram os filhos e, para melhor servir ao povo, pleiteara uma cadeira de intendente municipal, hoje vereador, e durante 27 anos consecutivos, ninguém o excede em espírito público na paixão das causas populares. Era de vê-lo, exposto ao sol e à chuva, percorrendo bairros distantes, sempre a pé, no penoso mister de examinar e fiscalizar, com rigor e severidade, as obras públicas. Não se conheciam ainda as mordomias, privilégio apenas de marajás, maranis e emires. Sabe-se
que Deodoro, no governo, tomou emprestada a
quantia de um conto de réis para
socorrer um irmão adoentado, também general,
e Campos Sales, quando deixou a
Presidência da República, tinha a casa
hipotecada. Cala-te, boca indiscreta!...
Poucos sabem, porém, dos extraordinários serviços de Sérgio Pessoa, porque o trabalho do legislador, geralmente ingrato, a poeira dos arquivos e das bibliotecas o consome. Já o Executivo, para eternizar-lhe as obras, algumas inacabadas, dispõe de recursos para o bronze, os mil metais das placas, estátuas, estatuetas, hermas e até do Carrara e do Paros...
O velho edil temperamental jamais fugiu à luta, lembro-me de algumas polemica acirradas que travou. Quando os jornais, temendo represálias, não lhe publicava os discursos ou artigos, imprimia-os em folhetos e boletins e distribuía-os, pessoalmente, desafiando os poderosos em impressionante coragem física, fazendo recuar qualquer janízaro assalariado para humilhá-lo. De uma feita, aluno do ginásio, ganhei das mãos do preliador, com um abraço, um desses terríveis libelos. Humilde com os humildes, tinha assomos de indignação, explodia em cólera sagrada, quando a injustiça lhe feria a sensibilidade.
A amizade fraternal que o ligava e meu pai, o Doutor Domingos Teofilo de Carvalho Leal, antigo presidente da Junta Governativa do Amazonas em 1889, fê-lo participar ativamente da
frustrada revolução
de 30 de janeiro de 1892, com alguns oficiais e sargentos do Exército e políticos do
porte de Jonathas Pedrosa, Ferreira Pena e outros, movimento esse que tinha por objetivo depor Eduardo Ribeiro e aclamar governador o
Doutor Carvalho Leal.
Preso e exilado,
mas a alma, em rebeldia
permanente, voltou Sérgio Pessoa a conspirar em outras
oportunidades. A Revolução de 30
alcançou-o no fastígio do Poder. Rolou para o ostracismo com os amigos e com o Partido de que foi um dos sustentáculos
Na noite fatídica de 24 de outubro desse ano, alguns inimigos arrancaram e pisotearam as placas da rua que o homenageou durante vários anos. Não durou muito o gesto covarde da malta enfurecida. Redemocratizado o país, a primogênita de Carvalho Leal, senhora Mendes Filho, após ingentes esforços e, com a ajuda do
pranteado vereador Rodofo
Vale, fez voltar o nome do intrépido pelejador à rua ultrajada e recolocadas as placas no mesmo local, resgata uma dívida de gratidão, meio século depois do sacrifício e da solidariedade de Sérgio Pessoa à revolução que falhou em 1892.
Sérgio Pessoa foi modelo de homem público, espelho de virtude cívicas, exemplo de lealdade política. Revive e sobrevive na numerosa e ilustre descendência, que tem sabido honrar o nome do patriarca —símbolo de probidade — que atravessou, durante 50 anos, sem medo e sem mancha, o mar revolto da política amazonense. Não se lhe encarvoaram as mãos no meneio dos dinheiros públicos. Já era rico, quando entrou para a política e dela saiu com o
mesmo patrimônio.
Faleceu, em Manaus, a 18 de março de 1940.
Servo de um povo e guardião de uma cidade — estas as palavras que cabem, à justa, na lousa
tumular do egrégio cearense que amou enternecidamente Manaus.
(*) A Crítica, 19 de maio de 1980
Muito interessante! 👏🏽👏🏽👏🏽
ResponderExcluirEu com
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