CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

quinta-feira, julho 02, 2015

CORONEL SERGIO PESSOA

Carvalho Leal
A rua Coronel Sérgio Pessoa, de apenas um quarteirão situada na lateral esquerda da igreja dos Remédios,  no Centro Histórico, poucos conhecem. O homenageado foi reverenciado em artigo jornalistico (abaixo reproduzido), no qual teve ligeiramente delineada sua atuação em Manaus, pelo ex-vice-governador do Estado, Deoclides de Carvalho Leal (1971-75). (*) 

Aproveito para incluir uma palavra: na revolução de dezembro de 1892, participaram alguns sargentos da Força Policial do Estado, a Polícia Militar de nossos dias.







Ainda bem que o não esqueceram de todo. Pequena rua, ao lado da igreja dos Remédios, ostenta-lhe, orgulhosa e merecidamente o nome. Raros, todavia, nos dias tumultuários de hoje lhe recor­dam as grandes realizações decorrentes da longa e profícua atividade política. Os mortos vão depressa e o tempo é pouco para adorar os vivos — disse alguém. Sér­gio Rodrigues Pessoa, filho do Doutor Joaquim Rodrigues da Motta, culto e aus­tero magistrado paraibano e de Dona Maria Florencia Pessoa, hábil e excelente prática de farmácia, teve o sobrenome registrado, segundo os usos e costumes da velha Es­panha.

Nasceu no Ceará, em Sobral, a 9 de setembro de 1859, e, desprezando títulos universitários, confiante apenas no tino comercial que lhe era inato, parte, nas ardentias da mocidade, com milhares de outros conterrâneos, para a grande aven­tura. Manaus o deslumbra. Após três anos de balcão, estabelece-se, por conta própria, e vê prosperar rapidamente a firma fundada, com audácia e força de vontade, onde amealha regular fortuna. Mas, a borregã lasciva, — de que fala um dos grandes do Império —, o espreita, de lon­ge, e lhe estende os braços feiticeiros a que não soube resistir.

Ei-lo, agora, envol­vido na política de que nunca mais se libertará. Filia-se ao Partido Liberal, com a lealdade e o desassombro, que o acom­panharam a vida inteira. Com a queda da Monarquia, acolhe-o o Partido Nacional, quando se liga, para sempre ao gover­nador Thaumaturgo de Azevedo, o que teve a seu lado nas horas tempestuosas da vida daquele militar.

Sob a égide do amigo fiel, ingressa na politica partidária e já inicia a longa caminhada que duraria meio século.

Ocupa cargos de alta relevância como deputado à Junta Comercial de que foi Presidente, diretor e presidente do Banco do Amazonas, provedor da Santa Casa, deixando em todos a marca de exemplar probidade. Exibia, com ufania, a patente de coronel da Guarda Nacional.

Ardendo de amor pela cidade que o acolhera na juventude, onde contraíra uma cadeira de intendente municipal, hoje vereador, matrimônio e lhe nasceram os filhos e, para melhor servir ao povo, pleiteara uma cadeira de intendente municipal, hoje vereador, e durante 27 anos consecutivos, ninguém o excede em espírito público na paixão das causas populares. Era de vê-lo, exposto ao sol e à chuva, percorrendo bairros distantes, sempre a pé, no penoso mister de examinar e fiscalizar, com rigor e severidade, as obras públicas. Não se conheciam ainda as mordomias, privilégio apenas de marajás, maranis e emires. Sabe-se que Deodoro, no governo, tomou emprestada a quantia de um conto de réis para socorrer um irmão adoentado, tam­bém general, e Campos Sales, quando deixou a Presidência da República, tinha a casa hipotecada. Cala-te, boca indis­creta!...

Poucos sabem, porém, dos extraordi­nários serviços de Sérgio Pessoa, porque o trabalho do legislador, geralmente in­grato, a poeira dos arquivos e das bi­bliotecas o consome. Já o Executivo, para eternizar-lhe as obras, algumas inaca­badas, dispõe de recursos para o bronze, os mil metais das placas, estátuas, estatuetas, hermas e até do Carrara e do Paros...

O velho edil temperamental jamais fugiu à luta, lembro-me de algumas polemica acirradas que travou. Quando os jornais, temendo represálias, não lhe publicava os discursos ou artigos, imprimia-os em folhetos e boletins e distribuía-os, pes­soalmente, desafiando os poderosos em impressionante coragem física, fazendo recuar qualquer janízaro assalariado para humilhá-lo. De uma feita, aluno do gi­násio, ganhei das mãos do preliador, com um abraço, um desses terríveis libelos. Humilde com os humildes, tinha assomos de indignação, explodia em cólera sa­grada, quando a injustiça lhe feria a sen­sibilidade.

A amizade fraternal que o ligava e meu pai, o Doutor Domingos Teofilo de Carvalho Leal, antigo presidente da Junta Governativa do Amazonas em 1889, fê-lo participar ativamente da frustrada revolução de 30 de janeiro de 1892, com alguns oficiais e sar­gentos do Exército e políticos do porte de Jonathas Pedrosa, Ferreira Pena e outros, movimento esse que tinha por objetivo depor Eduardo Ribeiro e aclamar gover­nador o Doutor Carvalho Leal. Preso e exilado, mas a alma, em rebeldia per­manente, voltou Sérgio Pessoa a cons­pirar em outras oportunidades. A Revo­lução de 30 alcançou-o no fastígio do Poder. Rolou para o ostracismo com os amigos e com o Partido de que foi um dos sustentáculos

Na noite fatídica de 24 de outubro desse ano, alguns inimigos arran­caram e pisotearam as placas da rua que o homenageou durante vários anos. Não durou muito o gesto covarde da malta en­furecida. Redemocratizado o país, a primogênita de Carvalho Leal, senhora Mendes Filho, após ingentes esforços e, com a ajuda do pranteado vereador Ro­dofo Vale, fez voltar o nome do in­trépido pelejador à rua ultrajada e recolocadas as placas no mesmo local, resgata uma dívida de gratidão, meio século depois do sacrifício e da solidariedade de Sérgio Pessoa à revolução que falhou em 1892.
Sérgio Pessoa foi modelo de homem público, espelho de virtude cívicas, exem­plo de lealdade política. Revive e sobrevive na numerosa e ilustre descendência, que tem sabido honrar o nome do patriarca —símbolo de probidade — que atravessou, durante 50 anos, sem medo e sem man­cha, o mar revolto da política amazonen­se. Não se lhe encarvoaram as mãos no meneio dos dinheiros públicos. Já era rico, quando entrou para a política e dela saiu com o mesmo patrimônio.

Faleceu, em Manaus, a 18 de março de 1940.

Servo de um povo e guardião de uma cidade — estas as palavras que cabem, à justa, na lousa tumular do egrégio cearense que amou enternecidamente Manaus.

(*) A Crítica, 19 de maio de 1980

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