Prosseguindo na publicação do trabalho do médico Alfredo da Matta sobre o
cientista Alexandre Ferreira, no
Diário Oficial do Estado, de 7 de setembro de 1922.
Nesse interim, aceitou o convite do prof. Dr. Martinho de
Melo, e previamente sancionado por toda a Congregação, para desempenhar uma embaixada
científica ao Norte do Brasil, convite, aliás feito em 1778.
Mas o Dr. Ferreira permaneceu ainda em Lisboa até setembro
de 1783, quando embarcou. Não reviu mais a cidade de Salvador, onde primeiro
apercebeu a luz do dia, por se destinar a Belém do Pará, designado para
principal centro da missão a mais complexa nesses longevos tempos, e cuja
chefia por isso mesmo somente poderia caber a personalidade de estatura científica
do nosso biografado.
De fato, abrangia ela os estudos, as pesquisas e observações
de ordem econômica e política, e os concernentes à história natural quanto à botânica
e à zoologia e mineralogia. Em programa tão vasto, havia também o registro das
produções, da navegação, indústria e comércio incipientes, e o problema de uma perquirição
das populações silvícolas e em suas próprias terras.
Tal enunciado indica a considerável amplitude dos
assuntos cometidos à erudição daquele cientista, revelada superiormente na
messe do saber de seus relatos, memorias, monografias, desenhos, e tantos outros documentos por ele oferecidos
anos depois aos homens que governavam o reino de Portugal.
Alexandre
Ferreira provou, e de modo exuberante, na superintendência de tão intricada missão,
a primeira assim dirigida por brasileiro, o mais ascendrado carinho e amor ao trabalho,
o mais notável saber e competência, esquisita força de vontade e indômita energia
em paragens desconhecidas e longínquas naquelas áreas.
Duraram
as suas incursões nove longos anos, desde 1783 a 1793, tendo ele conseguido
matéria de inestimável valor, dados assaz interessantes, inéditos, sobre antropologia,
zoologia, botânica, geologia e etnografia.
Realizou
esses empreendimentos no interior do Pará, Goiás, Mato Grosso, Liso e Amazonas,
em excursões pelos rios Araguaia, Branco, Madeira, Mamoré, serra do Cuanuru, Cuiabá
e zonas circunvizinhas, tendo chegado a este último lugar em 1790. Regressou então
à Belém, ponto inicial da partida, e de onde periodicamente seguia para os
diversos e ínvios locais da Amazônia.
Desse
modo, chefiou o baiano Alexandre Ferreira a primeira missão brasileira em
terras de nossas antigas circunscrições, e que constituem hoje principalmente
os Estados do Pará, Mato Grosso e Amazonas, este em particular, fato que merece
registro histórico.
Em tão
perigosas viagens, todo o material que conseguia ele obter, era remetido sem demora
para as lusas terras por intermédio do capitão Luiz Pereira da Cunha, residente em Belém
do Pará. Parcos seriam os recursos de dinheiro do sábio cientista
e destemido explorador, e demasiadamente parcos pareciam os prometidos auxílios
dos homens de responsabilidade, dos governantes de Portugal, olvidados já do
compromisso tomado; e tanto que lhe acudia sempre o capitão Cunha, pelos laços
de amizade existente entre ambos, e quiçá "por vantagens materiais que o
capitão vislumbrasse auferir, visto tratar de negócios de uma comissão que
avultava de importância sob qualquer ponto de vista".
Entretanto, não chegavam do reino os indispensáveis recursos,
e ansiosamente esperados desde muito. Vexatória, humilhante talvez, se tornava
a posição de Alexandre Ferreira junto ao seu amigo, visto grandes
responsabilidades assumidas, porquanto o capitão Cunha lhe havia participado
ter despendido até o dote de uma de suas filhas para satisfação de semelhantes
encargos.
Calcular-se-á que não poderia ser mais crítica a situação
de homem tão eminente e probo, carecedor em absoluto dos meios para saldar
todos esses compromissos, e desiludido, por certo, do auxílio de seus
protetores e do governo lusitano, se é que não experimentava já os efeitos dos aguilhões
de mesquinha inveja e da incompetência a lhe sombrear as descobertas e
conquistas tão galhardamente conseguidas.
Solução única, nobilitante e honrosa, vislumbrou e cumpriu,
consorciando-se em 1793 com a filha daquele capitão, uma paraense de nome Germana.
E regressou em seguida para Portugal com a sua virtuosa dona.
Cruel decepção o esperava.
Havia deixado as funções de ministro da Marinha D. Martinho
de Mello, seu protetor; e o sábio viajante tinha desde logo de suportar os maus
fados ao conhecer e experimentar a ingratidão dos homens de seu tempo e do
governo português.
Obteve,
ainda assim, o modesto cargo de oficial da secretaria da Marinha, que deixou em
1794 para ser adjunto do Prof. Dr. Domingos Vandelli, e o de diretor interino
do gabinete do Jardim Botânico da Ajuda.
Embora
no desempenho desses encargos, o grande baiano jamais conseguiu os necessários
meios para continuar e concluir a maior parte dos notáveis estudos começados no
Brasil, cujo material precioso e valiosíssimo havia verificado se achar na mais
lamentável, se não confusão e balburdia criminosas. Quais os que receberam esse
material? Por que essa confusão, se o maior cuidado e esforço e competência havia
presidido o seu envio?
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