CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

domingo, junho 29, 2025

DIA DE SÃO PEDRO E SÃO PAULO

Certamente, no dia em que nasceu seu terceiro filho, nosso pai - Manuel - deve ter se recordado sendo consumado católico da determinação do Mestre: “Tu es Petrus”. Assim foi batizado – Pedro Renato, que hoje completa 74 anos de idade. Nascido no consagrado bairro de Educandos, passou pelo Colégio Estadual do Amazonas e, depois do serviço militar, no qual obteve o terceiro lugar da turma de NPOR/72, desembarcou em Santos-SP, onde aproveitou. Vou parar aqui, senão estrago o filme. Parte do roteiro conta ele nesta crônica de aniversariante. A Igreja, apesar de nominar Paulo como santo do dia, efetua manifestação mínima, afinal Pedro é a pedra.

Ad multos annos, mano, recordando o linguajar seminarístico, do São José, deixado pro gran finale, onde seguramente aprendemos concretas lições para a vida.

Pedro Renato, de vermelho, abraça nosso pai Manuel

AINDA ESTOU AQUI

29.06.2025

Renato Mendonça (1951-)

 

Ao iniciar esta crônica, que faço a cada aniversário, fui orientado pela inteligência artificial para que o título fosse alterado para “continuo aqui”, pois considerou a forma uma expressão prolixa. Não acatei, pois a expressão usada carrega, na sua essência, um valor simbólico. Mas não descarto a utilidade dessa ferramenta aos usuários de qualquer natureza. No entanto, percebo que há uma superficialidade na sugestão da escrita, assim como falta sensibilidade para a escolha semântica dos termos. Cabe ao cronista deixar fluir para o papel a emoção não artificial, genuína, mormente nesta data, quando obrigatoriamente fazemos uma reflexão da vida.

Nesse instante de contemplação, percebo que estou revisitando memórias. Cada ano que passa carrega um pedaço do nosso mundo, e o ato de estar aqui, nesta data, com tantas histórias vividas, é em si uma celebração, um júbilo. Olho pela janela do trem da vida e encontro fragmentos que me moldaram, instantes que me elevaram o espírito e os desafios que me ensinaram a resiliência. É como se o tempo, ao invés de ser apenas um inimigo implacável a me sugar o vigor físico, fosse também um amigo sábio que, com as bênçãos de Deus, incitou-me a valorizar as verdades que floresceram a cada dia.

Quando ultrapassamos a barreira dos setenta, parece que o tempo anda mais apressado. Por vezes, me ocorre conversar com ele e questionar a sua relatividade, como nos propõe o famoso cientista Albert Einstein. E fico pasmo analisando o seu postulado ao dizer que o passado, o presente e o futuro são apenas ilusões persistentes, sendo assim criações da nossa mente. Sem nenhuma surpresa, ele me diz que somos ínfimos ao explanar sobre a grandeza temporal e espacial infinita do Universo; estima-se o tempo de existência em quatorze bilhões de anos, e a dimensão — praticamente incomensurável — só é medida em anos-luz.

Há quinze anos escrevi uma crônica, O Segredo da Vida, falando dessa incomensurabilidade do tempo, uma dimensão infinita que apenas é perceptível pela grandeza da nossa imaginação. Nessa narrativa, resgato a analogia do tempo do Cosmos com uma partida de futebol de noventa minutos. Ao compararmos o aparecimento do homem na Terra com a idade do Cosmos, o ciclo da vida humana só dura algo em torno de um décimo de segundo, desprezível.

Quanto à dimensão, também estamos aqui, fazendo parte de uma galáxia tão imensa que o homem, mesmo se tivesse recursos para viajar à velocidade da luz, jamais teria tempo de se deslocar para conhecer outros mundos. Assim, devemos nos resignar dentro da nossa ínfima porção universal, e procurar viver o que está ao nosso alcance ou o que nos rodeia. Aproveitar tudo o que Deus nos oferece para viajar para dentro de nós mesmos, tentando aprimorar a beleza espiritual; viajar também em direção ao nosso semelhante para tentar conhecê-lo melhor e promover o amor oblativo. 

Nessa longa caminhada, não deixei escapar nada que nos fosse benfazejo, como um dedicado aprendiz; não desmereci nenhuma manifestação de amor e valorizei cada gesto de carinho recebido; extirpei todos os rancores da mente, arranquei-os do coração sem o ferir nem o deixar sangrar por nenhuma forma de dor. Acho que Deus me deu uma certa imunidade quando tirou minha mãe tão precoce; hoje, sou um homem resignado e entendo que tudo estava dentro dos planos divinos. Mesmo assim, ainda retenho comigo a devoção por esta santa que me deu à luz do mundo, para quem dedico também o meu aniversário. E é muito gratificante conversar com Deus, através do rosto de uma mulher; é mais emblemático quando esta mulher é a sua mãe.

Nesta data, neste septuagésimo quarto Dia de São Pedro em minha vida — sem contar o dia em que nasci —, quereria recordar, na verdade, um ano radiante e jubiloso, 1974. O decurso da idade me traz de volta essa memória. Eu estava vivendo a porção primaveril da minha idade adulta; estava feliz com a conquista do primeiro emprego fixo, justamente na maior estatal do país, a Petrobrás. Depois de um ano que havia me habilitado como motorista, consegui comprar meu primeiro carro, um fusca ano 71, cor azul-pavão. Não gostava muito das letras contidas na placa, WC 3919, talvez porque a sigla em inglês significa “banheiro”, mas me identificava muito com o ano e a cor do carro.

A cidade de Santos, onde eu morava e trabalhava, me acolheu como um turista fascinado e mostrou-me a exuberância de sua orla marítima. E as praias tinham uma vasta extensão de areia que propiciava a prática do futebol nos finais de semana. Isso me deixava em plena forma, física e espiritual, que aliada à juventude dos 23 anos, transformava-me num atleta amador. E aconteceu que a Copa do Mundo daquele ano fez surgir no cenário futebolístico o “carrossel holandês”, nos apresentando exímios jogadores a recriar uma visão romântica do futebol. Uma estratégia dinâmica de jogo, onde os jogadores se movimentavam aleatoriamente sem guardar posição fixa. Esse esquema de jogo deu certo em quase todos os jogos, só falhando no jogo final. Uma pena! Mas, com a aposentadoria de Pelé, o jogador da Holanda, Cruyff, tornava-se um novo astro do futebol. Era o símbolo vivo daquela seleção. Por ele, eu nutria uma profunda admiração e me espelhava no seu comportamento em campo.

Um grupo de trabalhadores da construção civil, do meu sítio de trabalho, convidou-me para participar de um jogo de futebol num domingo do mês de julho, após a realização da Copa. Eles não sabiam se eu teria alguma habilidade como jogador, nem desconfiavam, pois me viam apenas como um assistente técnico envolvido na área de projetos. Entretanto, eu tinha bastante interatividade com eles, o que é normal quando se trabalha na indústria de petróleo.

E ocorreu que me convidaram para participar do “segundo quadro”, uma espécie de jogo preliminar. Naturalmente, o “primeiro quadro” jogaria logo depois, composto com os jogadores mais habilidosos e mais raçudos, mais “cascudos”, como se diz na gíria do futebol. Quando acabei de jogar o primeiro tempo do jogo preliminar, o técnico do time pediu que eu descansasse para jogar no primeiro quadro. “Fominha de bola”, não aceitei e garanti que tinha fôlego para jogar também o próximo. Consegui jogar bem, inspirado no craque e maestro holandês, três tempos dos dois quadros e saí elogiado pela minha desenvoltura em campo, marcando gols e correndo feito um velocista de curta distância. E para corroborar a minha atuação em campo, logo depois do jogo, o técnico me convidou para fazer parte do time de futebol que ele administrava, o Esporte Clube São Bento, e me trouxe, na semana seguinte, uma credencial de sócio atleta, que ainda guardo com todo carinho. Assim, foi um jogo memorável — inesquecível mesmo após cinquenta anos — de um jovem com a rebeldia dos cabelos longos e isento de consciência política, embora vivêssemos os “anos de chumbo” dos governos militares no Brasil. Naquela época, eu queria mesmo era trabalhar e jogar futebol. Duas paixões que se uniam visceralmente na minha solteirice.

Agora, depois de tantos anos, olho novamente pela janela e vejo o futuro. É apenas o futuro, sem grandes aspirações, com grandes preocupações com a saúde e buscando viver as verdades de Deus a cada dia. Desejando que o Amor nunca me abandone, para poder exprimir sempre o sentimento de gratidão; encantar-me com a beleza humana e a presença do Criador na natureza. O meu espírito ainda se ilude com a mágica do tempo e pensa que está jovem. É uma boa conduta, que eleva a autoestima e nos deixa aptos — não gosto dos clichês, mas vou usar — para novos desafios.

Sendo assim, o importante é manter a jovialidade do espírito, não por sabedoria artificial, mas por acreditar que isso possa ser congregado com boas ações, com atitudes honradas e ajuda aos necessitados e doentes, evocando sempre a alegria e fomentando a paz.  Desejo, ainda, manter a cognição intacta, para recordar os bons momentos vividos e possa discernir, nesse momento especial de comemoração, que ainda estou aqui completando essa belíssima missão de viver. 

Post Scriptum – O título da crônica faz referência ao belíssimo filme dirigido por Walter Salles, que recebeu o Oscar de “Melhor Filme Internacional” em 2024. Este filme aborda as ações autoritárias dos regimes militares no Brasil, especialmente os eventos relacionados ao sequestro, tortura e assassinato do ex-deputado Rubens Paiva em 1971.    

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