Na manhã deste Sábado a Academia Amazonense de Letras prestou uma homenagem ao saudoso acadêmico Anísio Mello (1927-2010), com o lançamento do seu livro póstumo:: Estrela Viva. A apresentação foi escrita pelo sócio Zemaria Pinto, todavia, como este estivesse impossibilitado de comparecer, foi lida pelo ex-presidente da Casa Elson Farias, e abaixo vai reproduzida. Minha participação neste livro registro na próxima postagem.
Sobre Anísio Mello,
por ocasião do lançamento de Estrela Viva
Zemaria Pinto,
Cadeira 27, de
Tavares Bastos
Como não poderia deixar de ser, começo agradecendo a oportunidade de homenagear o amigo Anísio Mello, no 13° ano de seu desenlace, fortalecendo a ideia de que a imortalidade acadêmica é a permanente relembrança.
Por
isto estamos aqui, nesta ensolarada manhã de sábado (espero não errar na
previsão do tempo), relembrando o artista múltiplo, o multiartista Anísio –
pintor, escultor, músico, compositor, que, como escritor destaca-se em diversas
frentes: ensaio, ficção, folclore, poesia e até um precioso Vocabulário etimológico tupi do folclore
amazônico, onde dá continuidade a um trabalho iniciado por seu pai,
Octaviano Mello. E, pasmem, Anísio era um inventor de mão cheia...
Luiz
Bacellar, que quanto mais velho mais menino ficava, dizia que Anísio, com quem
vivia arengando, era a reencarnação de Leonardo da Vinci. Aí mostrava uma
reprodução da “Mona Lisa” e, ecoando uma teoria da época, dizia: “vamos tirar a
barba do Anísio e ver se ele é ou não o Da Vinci”. Um estudo da época dizia que
Leonardo retratara a si mesmo na “Mona Lisa”. Anísio fazia cara amuada e
replicava: “este fim de semana não tem café nem jornal...” Era um hábito que os
amigos cultivavam no domingo: ler os jornais juntos, com um cafezinho,
acompanhado de tapioca e pamonha. Tudo bancado pelo Anísio, claro.
Lembro
de uma arenga dos dois que deu um trabalhão para contornar. Um cidadão francês,
de passagem por Manaus, enturmou-se com os dois. Só que o Bacellar, a propósito
de manter seu francês (que ele dizia “de Paris”) em dia, danou-se a conversar
em francês com o novato. Como o francês do bom Anísio era “de Itacoatiara”, o
tempo fechou. Os dois “trocaram de mal” e ficaram alguns fins de semana sem ler
os jornais juntos...
Mas,
estamos aqui para louvar a poesia de Anísio Mello, representada neste Estrela Viva, uma antologia organizada
pelo próprio autor e salva dos escombros do esquecimento pelo notável trabalho
do pesquisador Roberto Mendonça – que multiplicou a obra do meu querido
professor L. Ruas e agora nos revela poemas de Anísio, se não inéditos,
perdidos em edições esgotadas.
Chamo
a atenção para a capa, que reproduz um quadro do próprio Anísio: um belíssimo
exemplar de seu expressionismo abstrato – ele, que pintava desde prosaicas
paisagens até quadros como este, de refinado simbolismo e múltiplas leituras.
Exímio sonetista, Anísio escrevia poemas em versos livres e rimas brancas com a mesma facilidade com que cultivava o haicai. Em outras palavras, tinha o total domínio da técnica poética, mas também tinha uma verve, um entusiasmo que passava a sua poesia, caracterizada pelo lirismo, sem pretensões a revoluções estéticas, mas construindo uma obra que encanta e encantará ainda muitas gerações, como no petrarquiano “Lembrança”, de Sexagésima Stella (p. 125):
Na lembrança
ficaste de permeio
a momentos de
amor como te vi.
Foste rosa em
meu peito e com receio
a primavera
augusta então vivi.
Nos teus
lábios agora me tonteio
e na luz dos
teus olhos refleti
todo um sonho
feliz e agora creio
que o amor é
como o beijo que senti.
Este amor que
flutua mansamente
e incandesce a
manhã tão de repente,
mais parece o
delírio de um adeus.
Um dia
partirei, quem sabe quando?
lembranças
levarei sempre cantando,
com teus lábios impressos sobre os meus...
Este
– meus amigos, minhas amigas, crianças – era Anísio Mello, um homem simples, um
artista completo. Aliás, este é Anísio Mello, pois ele continuará vivo em
nossas lembranças...
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