CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

sexta-feira, julho 16, 2021

RONDA DOS FATOS, DE L. RUAS

Às voltas com a revisão do livro Ronda dos Fatos, que organizo com os textos do padre-poeta L. Ruas publicados em sua coluna de mesmo nome, esbarrei com a página aqui compartilhada. Escreveu ele sobre o trânsito de Manaus, em setembro de 1963, no extinto matutino A Gazeta. Há quase 60 anos. Imagino sua angústia em nossos dias.

L. Ruas, em sua RG

A Ronda da Morte 

CONTINUAMOS a sofrer, diariamente, o impacto de acidentes de trânsito que arrastam atrás de si os despojos trágicos de uma vitória macabra. Em que pesem as medidas tomadas, inclusive e principalmente, pelo Excelentíssimo Senhor Governador do Estado, salientando-se a colaboração valiosa da Polícia Militar do Estado, os desastres se sucedem quase sem interrupção. Parece-me que só há uma solução: intensificar a fiscalização estendendo as medidas de fiscalização aos pedestres.

Não há quem não fique chocado com a brutalidade de um desastre como o ocorrido na manhã de ontem. Um verdadeiro absurdo! Mal se pode calcular a violência do baque sofrido pela Rural tamanha foi a consequência. E o saldo? Um jovem pai de família, contando apenas trinta e sete anos de idade, estendido no asfalto, banhado em sangue, morto, deixando doze crianças na orfandade...

Diante da morte não há mais solução. Resta-nos pensar nos que estão vivos. Vamos pensar nas crianças que vão para a escola ou que estão voltando para casa. Que os pais tenham mais cuidado com seus filhinhos. Evitem o mais que puderem deixá-los à solta no meio das ruas e das estradas. Se puderem, acompanhem-nos na ida e na volta da escola. Pensemos nos pais de família que vão ou voltam de seus trabalhos preocupados com o sustento dos seus lares. E que os pais de família, motoristas ou pedestres, pensem nas suas famílias e nas famílias dos outros. Os primeiros dirigindo com mais cuidado, não querendo bancar os ases do volante, fazendo acrobacias desnecessárias quando não fatídicas.

É sempre melhor e mais humano perder um minuto na vida do que a vida num minuto. Ou fazer com que os outros a percam. Os pedestres, por sua vez, se convençam de que as ruas e as estradas foram feitas para os veículos. O pedestre deve andar nas calçadas e quando é obrigado a atravessar a rua que o faça com cuidado, observando os sinais de trânsito onde os houver e onde não, observando cuidadosamente. Olhe para um lado e para o outro. Veja se vem algum carro. E só então atravesse. E atravesse o mais depressa que puder.

Pensemos nas mães de família que são obrigadas a deixarem o interior de suas casas, às vezes, para cuidarem de problemas ou da saúde de um filho ou mesmo para se distraírem. Pensemos nos jovens. Nas moças e nos rapazes em pleno esplendor da vida. Que coisa bela a vida! E a vida dos jovens, então! E as moças e os rapazes pensem também, no futuro. Em tudo o que a existência lhes reserva e não se deixem massacrar pelas rodas traiçoeiras dirigidas pela morte.

Burlemos a morte. Façamos uma campanha de consciência simultânea à campanha de fiscalização. Não é possível que não nos perturbemos vendo e sabendo a morte, todos os dias, de pessoas conhecidas, de amigos, de parentes. Façamos uma campanha contra a morte em favor da vida. Não consintamos que a morte nos surpreenda na sua ronda fatídica e traiçoeira. E estupida. Mas não basta que os soldados da PM multem, apreendam carteiras, prendam motoristas. Isto é necessário, mas não é tudo. É preciso que saibamos respeitar os outros, o nosso próximo, e respeitá-lo, principalmente, naquilo que é a sua maior riqueza: a vida. Mas, para que saibamos respeitar os outros é preciso que nos saibamos respeitar. Respeitemos os nossos direitos. Respeitemos a nossa vida. 

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