Acervo do IGHA |
Quase um decênio depois de sua criação, o Clube da Madrugada assistiu à instalação, em 1963, de um grêmio semelhante, inclusive na nomenclatura: Clube da Madrugada de Brasília.
Em 1969, o clube brasiliense visitou Manaus, tendo sido acolhido por seu congênere em sessão especial no Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA).
Em 1969, o clube brasiliense visitou Manaus, tendo sido acolhido por seu congênere em sessão especial no Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA).
A saudação - texto abaixo - aos membros do CM de Brasília, em sessão solene realizada a 16 de julho, coube ao orador sênior, o saudoso padre Raimundo Nonato Pinheiro.
Saudação Ao Clube da Madrugada (*)
Padre Nonato Pinheiro
O Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas vive hoje uma de suas noites de mais rútilo esplendor, acolhendo em seu grêmio uma luzida caravana de intelectuais de Brasília, componentes do CLUBE DA MADRUGADA, que já constitui sem favor uma afirmação de pujança mental na vida literária, artística e cultural da capital da República.
Conduzidos por esse DÍNAMO FEITO HOMEM que é o vosso operoso presidente, nosso confrade Miguel Lúcio Cruz e Silva, que nesta Casa mantém a poltrona de Bruno de Menezes nimbada de permanente claridade, vindes ao Amazonas, às terras lendárias das florestas virgens e das águas grandes, onde as árvores gigantescas rivalizam com as montanhas altaneiras, e os rios de águas negras ou barrentas desdenham dos mares verdes e dos oceanos azuis, vindes ao Amazonas para um amplexo de cativante simpatia entre a vossa e a nossa intelectualidade.
Pe. Nonato (foto de 1958)
Se esta Casa dispusesse de sinos como as Catedrais góticas, opulentas de carrilhões e de vitrais multicoloridos, que aprisionam, no dizer de Edmond Joly, o azul do céu e o sangue do sol, estariam eles bimbalhando festivamente para receber tão ilustre comitiva, que nos traz a flor cultural da capital do país, portando sua mais nobre e requintada porção, já que o império da inteligência e do espírito inapelavelmente constitui a primazia dos povos!
De há muito, senhores caravaneiros da cultura de Brasília, já tínhamos notícia da opulência de vosso grêmio, que reúne figuras as mais representativas nas letras, nas ciências e nas artes, brilhando com luz própria na poesia, no canto, na música, na pintura, no folclore na antropologia e demais ciências sociais, enfim, nos vários departamentos do pensamento e do espírito humano.
Citar nomes seria incorrer no risco das omissões, que sempre ferem, ainda que involuntárias. Mas não seria inoportuno declinar nomes já consagrados em vossa agremiação literária e artística, entre os quais avultam o professor Emanuel Coelho, diretor de orquestra, e compositor, cantor e musicista Paulo Burgos, as poetisas Maria Valéria e Maria Aldina Furtado, a professora Magda França, o folclorista João Artur, o seresteiro Zezinho do Violão, os cantores Fernando Lopes e José Lourenço, a pintora e antropóloga Efy de Paula Moreira, conferencista desta noite, e esse admirável poeta Lenine Fiúza, cuja obra I Suma Poética, no próprio dia de vossa chegada, armou para mim um ágape das mais finas emoções, poeta admirável, que fez de Brasília o seu "convento azul' , e em cujas mãos em concha sua cabeça cismadora se demuda em pérola!...
Ponto alto deste sarau de inteligência e cultura, será a conferência da professora Efy de Paula Moreira sobre a cultura maia, que floresceu no iucatão mexicano, na Guatemala e Honduras. Não podia a douta conferencista escolher tema mais sugestivo do que os Malas, povos que habitaram a América Central na época pré-colombiana ou pré-hispânica, cuja cultura, graças à arqueologia e às investigações etnológicas e etnográficas realizadas pelos antropólogos, já nos brilha com luz mais intensa, deixando-nos ver e entrever os traços de sua inteligência nas suas inscrições lapidares, na cerâmica, na arquitetura, na medicina e na literatura, da qual fez valioso estudo Demétrio Sodi, estudando-a em três excelentes capítulos: literatura maia do iucatão; literatura maia de Chiapas e literatura maia da Guatemala.
Lembro-me de ter lido em Morley que o culto dos ancestrais constituía entre os maias a característica básica de sua religião. As cabeças das pessoas ilustres e importantes eram preservadas para adoração. Esse culto dos ancestrais, senhora professora Efy de Paula Moreira, também é característico dos que compõem o cardinalato deste colendo templo cultural, que é o Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, onde praticamos com os varões egrégios do passado e investigamos as civilizações que nos antecederam.
Vinde dar-nos vossa preleção magnífica, com a qual dignificareis a um tempo vossa luzida embaixada e este sodalício, que faz timbre de receber em alto estilo, com as magnificências do mérito as inteligências privilegiadas e as culturas polimorfas, cujas fontes muita vez entram pelas madrugadas, debruçando-se sobre os livros, pendentes de sono e de fadiga!...
O Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, senhores embaixadores e embaixatrizes da intelectualidade de Brasília, vos recebe em festa, trazendo cada sócio o coração no rosto. Homens e mulheres de espírito, não podeis restringir vossa excursão a Manaus aos passeios, aos banquetes e à contemplação da natureza extasiante, onde, no dizer de um amazonólogo, impera o deus da POLICROMIA, escapo da mitologia grega. Tínheis que procurar uma elevação, o cimo para uma ascensão, porque é nos alcantis que pousam as águias, cujo olhar de fogo, na formosa expressão de Victor Hugo, troca raios com os raios do sol!...
Sentis que desceis do planalto de Brasília para a planície amazônica. E nós, em contrapartida, ao calor e à irradiação de vossa alta embaixada, sentimos que subimos da planície para um planalto: o planalto da inteligência, o altiplano da cultura, em cujos cimos aureolados de claridades comovidamente vos abraçamos para o ósculo da fraternidade, neste dia memorável, que não supúnhamos ser para os nossos dias, dia excepcional nunca dantes imaginado por Colombo, Gama, Cabral ou Santos Dumont, em que o homem zarpou do planeta pela primeira vez, com destino a plagas extraterrenas, numa incrível demonstração de superinteligência, como se tocado fora de uma força sobre-humana e divina!
Saudando-vos com emoção, agradeço em nome do IGHA esta hora de claridade e encantamento!
(*) Transcrito de O Jornal, de 20 de julho de 1969
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