por Francisco Bacellar,
pai do poeta Luiz Bacellar,
publicado no livro Uma Vida...
(Manaus: Editora Sérgio Cardoso, 1963)
Reverencia a terra em que se fez homem e que ama com ternura -- aí está o Edifício Manaus mirando o dileto rio de águas negras e misteriosas. Não esquece a terra que lhe serviu de berço -- vemos o Edifício Fortaleza -- símbolos vivos do seu reconhecimento; frutos da sua iniciativa. Ambos ostentam em suas paredes quadros artísticos e conceitos de boa moral, atestando a inclinação para o belo e o caráter dogmático do seu proprietário.
Passo a passo vai aperfeiçoando os seus conhecimentos. Com as suas publicações permanentes no "Jornal do Comércio", onde ele pontifica os seus ensaios sobre economia, finanças, história, biografias, crítica, sugestões, conselhos e até política, vai publicar Uma Vida..., que, de fato, não dizem dos seus feitos, nem seus sofrimentos, nem suas alegrias; é, apenas uma faceta do caráter desse homem extraordinário.
Do menino criado de favor ao estivador, de mordomo do Ideal ao homem de negócios de hoje, soube Ildefonso sempre fazer-se respeitar. Exerceu todos os seus variados misteres desde o mais humilde, com dignidade elevada -- jamais foi humilhado, jamais foi aviltado ou vilipendiado. A sua personalidade sem arrogância, o seu procedimento comedido "impunha o respeito e mantinha a simpatia".
Qual a força, e poder, a magia que produziu este milagre?...
* * *
Ildefonso, criança ainda. aqui chega em companhia dos pais e de sua irmãzinha. Não vieram tangidos pelos flagelos nem em busca de melhoria de vida -- prestigiosa família cearense, dos Pinheiro de Fortaleza, nos seus pagos gozavam de todo o conforto. Vieram a chamado de um parente, o Dr. Solon Pinheiro, irmão do pai de Ildefonso, advogado de nomeada a serviço da maior potência financeira da Amazônia de então -- B. Antunes & Cia. Segue a família para o Javari onde lugar de confiança espera o pai. Em 28 dias, o beri-béri galopante cava três sepulturas nos ínvios barrancos e um menino de apenas quatro anos de idade, inopinadamente despojado de tudo o que representa meio de sobrevivência e proteção acha-se, pequenino e só, no seio da maior e mais densa floresta do universo. E' o nada frente ao tudo -- é o ponto em face do infinito. O menino não chora; ignora a extensão da sua perda - E' um bem-aventurado. Não luta, ignora o perigo. Já é um vencedor. Não se atemoriza; ignora também que ele próprio é um eleito, um escolhido.
A Providência Divina estende sobre ele a sua proteção -- o destino massacra-o com satisfação, argamassa-o, esmurra-o e, finalmente, o amolda. O destino não se engana com o material. E' de boa estirpe e possui o estofo da boa progênie. A marca da qualidade flutua-lhe no sangue, fixa-se na medula dos ossos, prepondera na índole, no gênio, e é por isso que o menino Ildefonso é hoje o Sr. Ildefonso da Silva Pinheiro, feito a sua própria custa, "sem medo e sem mácula", "impondo-se ao respeito e mantendo a simpatia".
Jornal do Commercio, Manaus, 16 jun. 1912 |
Político cearense oposicionista, Dr. Solon Pinheiro veio para Manaus escapando da perseguição de Accioly, então governador do Ceará. Advogado competente, aqui se estabeleceu com escritório a rua Joaquim Sarmento, 18. Aqui se reuniu aos colegas, muitos dos quais seus conterrâneos.
A ilustração veiculada no Jornal do Commercio, de Manaus, identifica a perseguição imposta aos adeptos de Solon Pinheiro, o "pinheirismo".
Solteiro, afortunadamente casou-se com Rosa Pereira da Silva, filha do advogado Agesilau Pereira, que fora presidente da província do Amazonas. Tiveram cinco filhos. Mas, Solon Pinheiro morreu inesperadamente em 24 de setembro de 1917.
Nenhum comentário:
Postar um comentário