Padre-poeta Luiz Ruas |
Retorno
ao L. Ruas, com satisfação. Começo, no entanto, pelo matutino O Trabalhista, de saudosa memória. Pertencente
em seus últimos números ao grupo do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), cujo
expoente maior em Manaus foi o também saudoso governador Plínio Ramos Coelho. O
jornal encerrou suas atividades no década de 1970, em oficina situada na
avenida Getúlio Vargas (criador do petebismo), cujo edifício o desdém consome lenta
e implacavelmente.
Desse
periódico parecia que tudo fora tragado pelo tempo: as máquinas, os redatores e
alguma coleção do jornal. Uma página sequer encontrara, declaro, nos longos
anos “catando papéis”. Para meu regozijo, outro dia, revirando o acervo da
biblioteca Mario Ypiranga, deparei-me com raras cópias de O Trabalhista e, para ampliar meu contentamento, uma crônica de L.
Ruas (1931-2000), que vai aqui postada.
Foi
com esta chancela literária que o padre-poeta Luiz Ruas manteve em A Crítica a coluna Ronda dos Fatos, que circulou entre agosto de 1957 e março seguinte.
Surpreendido hoje com essa publicação, tomo conhecimento que L. Ruas se transferiu
para o jornal do PTB, não sabendo, todavia, quanto tempo durou sua atuação. Sigo
em busca desse jornal perdido...
Mais
uma informação: tanto O Trabalhista
quanto o Grupo de Estudos Cinematográficos (GEC) contou com membros da família do
escritor Marcio Souza. Este, no GEC, e seu pai, no jornal.
RONDA DOS FATOS (*)
L. RUAS
DOIS FILMES BRASILEIROS
Por iniciativa do
Grupo de Estudos Cinematográficos (GEC) foram projetados em sessões do Grupo e
em alguns cinemas da cidade, dois filmes produzidos no Brasil que merecem um
destaque especial.
O primeiro é um documentário
produzido pelo Ministério da Educação e Cultura sobre aspectos da vida íntima
do sociólogo Gilberto Freyre e do poeta Manuel Bandeira e se intitula O Mestre de Apipucos e o Poeta de Castela.
O segundo é o Saci, baseado na obra
de Monteiro Lobato.
O cinema a serviço da
literatura é assim que poderíamos intitular o documentário do Ministério da
Educação e Cultura. No primeiro episódio do documentário que se intitula O Mestre de Apipucos vamos encontrar o sociólogo
Gilberto Freyre em sua residência. Vemo-lo passeando pelos jardins às primeiras
horas do dia entre as plantas e flores, algumas selvagens da flora
tropical. Recolhe-se, depois, ao seu
ambiente de trabalho.
Uma fertilíssima biblioteca
marcada pela ausência de muita arrumação, embora o sociólogo de Casa Grande e Senzala afirme que se trata
de uma certa ordem naquela desordem. Assistimos ao seu café matinal ao lado de
sua esposa, bem como cenas de aspecto bem familiar e familiarmente brasileira. (...)
Vamos com Gilberto Freyre
ao mar. Ao velho mar pernambucano que o conhece, como ele mesmo acentua desde
menino. Conhecemos também seus serviçais e sua preferência por um saboroso
peixe preparado à moda de Pernambuco.
No segundo episódio
que, digamos de passagem, é tecnicamente muito superior ao primeiro, acompanhamos
e vivemos um pouco a solidão de Manuel Bandeira. O seu despertar começa com o
despertar do Rio de Janeiro. Vai ao armazém, compra o seu leite. E, enquanto
espera ser atendido, contempla a cidade. As ruas vazias e sujas. Os arranha-céus
que se perdem numa sucessão de apartamentos. Com a sua garrafa de leite o poeta
retorna para o seu [lar] onde prepara, ele mesmo, o seu café. Café frugal:
café, leite e pão com manteiga.
Sentado, sozinho, à mesa,
diante de uma janela que se abre para a solidão o poeta rumina em silêncio a
sua refeição matinal.
É recostado à sua cama
que ele trabalha e com a sua cordial simplicidade, com seu riso franco e largo
de nortista e de homem bom, atende os chamados telefônicos. Sai depois e, apesar
de muito caminhar, permanece, por um jogo cinematográfico, sempre à frente da
Academia Amazonense de Letras, que é um símbolo da sua vida, ela se circunscreve
ao seu ofício de homem de letras.
O Saci, se não chega a ser
uma obra-prima cinematográfica, não chega a perder para muita coisa que se diz “boa”
e que pode (...) em nossas telas, além de ser um trabalho que vale acima de
tudo pelo seu grande significado brasileiro.
Vale a pergunta feita
por um amigo: Por que O Saci não foi
comercializado? De qualquer maneira, porém, é um filme muito bom mesmo levando
em conta certas deficiências técnicas que não conseguem, porém, lhe tirar a
beleza. O ambiente mítico-realista da obra de Monteiro Lobato é perfeitamente
contado. Lá encontramos o Sítio do Pica Pau
Amarelo e seus habitantes tão conhecidos dos garotos brasileiros.
(*) O Trabalhista. Manaus, 27 de dezembro de
1962
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