NACIONALISMO À MODA
SARACAENSE
A Missão do Saracá, núcleo de
colonização portuguesa fundado no Amazonas por Frei Raimundo, da Ordem das
Mercês, em 1663, foi palco do maior massacre indígena na América do Sul, tendo por algoz e principal
executor o ferocíssimo Pedro da Costa Favela, que acompanhou Pedro Teixeira em
sua memorável viagem de penetração até Quito. Ê
o que nos revela a História.
A Missão do Saracá cedeu seu nome – graças a Joaquim de Melo e Póvoas, que
criou vilas e alusitanou topônimos amazonenses – à atual cidade de Silves, onde ocorreram os fatos narrados a
seguir.
É que a extinção das tribos dos Caboquenas,
Bararurus e Guanavenas pelo famigerado genocida Pedro da Costa Favela, pela
maneira desumana e cruel como foi feita, deixou mágoas perenes nos descendentes
dessas tribos, a revolta interior transmitiu-se por herança, criando-se-lhes,
enfim, cesuras incuráveis em seus sentimentos nativistas e telúricos.
No decorrer da segunda Guerra
Mundial, os submarinos alemães e italianos, aliados fanáticos e que tinham
Mussolini e Hitler a comandar as ações belicosas, afundaram vários navios
nossos na costa atlântica brasileira, e, dentre eles, o Baipendy, do Loide Brasileiro, que costumava fazer a linha regular
entre o Rio de Janeiro e Manaus. A notícia do afundamento do Baipendy revoltou Manaus: atearam fogo e
saquearam casas de estrangeiros alemães e italianos, que se supunham mais
chegados ao nazismo e ao fascismo, havendo verdadeira explosão de sentimento
xenófobo.
A notícia de incêndios, saques e
agressões a casas de alemães, italianos e japoneses chegou logo a Silves, onde,
fazia anos, se estabelecera um italiano ainda moço, o comerciante Alberto
Ianuzzi, que comprou de meu pai uma fazendola em frente à cidade: a Demanda. Ali
Alberto fez progredir seu comércio, e era um tipo alegre, bonitão e
conquistador pávulo das cunhantãs
saracaenses. Vendia caro e praticava o escambo com sucesso, enriquecendo dia a
dia. Por isso, os caboclos não o viam com bons olhos, porque: marupiara nos anos,
estúrdio no comércio e soberbo nas reuniões sociais de que participava, era
sempre o mais notado. Não gostava de vender fiado, e isso irritava ainda mais
sua arisca freguesia.
A notícia da revolta ocorrida em
Manaus contra alemães e italianos despertou, em Silves, nos descendentes dos
Guanavenas, a hora da vingança. Vários elementos se reuniram e tramaram a ação
de cunho nacionalista: Joaquim Turra e Bonrana, e outros mais, aliciaram
companheiros para uma ação rápida e destruidora, verdadeiro golpe-de-mão recentemente
aprendido em Manaus pelos últimos reservistas saracaenses egressos do 27º B.C.
Alberto foi avisado da trama preparada
e prudentemente retirou-se para a casa de seu irmão Carlos Ianuzzi, residente
no município de Itapiranga. Numa manhã de agosto de 1942, muito cedo, dezenas de montarias
conduzindo os revoltosos armados de arpão, flechas, espingardas que funcionavam
com espoletas "Pica-Pau" e rifles "papo amarelo", rumaram
para a Demanda.
Em ali chegando, não encontraram
Alberto e sua família e passaram à ação:
mataram bois, carneiros, porcos, galinhas, fizeram churrascos, comeram. Beberam
o estoque de cachaça "Jararaca" deixada na última viagem do Barão de Cametá. Saquearam o comércio e
tocaram fogo na casa. Foi uma destruição total.
Chega a Manaus a notícia do saqueio
e destruição da casa comercial de Alberto Ianuzzi. O Chefe de Polícia, Dr. Antônio
Cavalcante de Oliveira Lima, credenciou o advogado Dr. Teves de Alencar Dias
Pinto para investigar os fatos e instaurar inquérito policial. O advogado chega
a Silves e inicia a investigação sumária. Vai indagando de um a um corno os
fatos aconteceram, e depois de ouvir muitas evasivas, defronta-se com o caboclo
Joaquim Turra, que lhe fez estas indicações.
Pergunta o advogado Teves: Quem foi
que iniciou o ataque à casa do Sr.
Alberto Ianuzzi e quem tomou parte nele? a que Turra responde: Sei que tomaram parte
no ataque: o Sr. Tapiú e seus filhos Walter e Diquinho; o Sr. Benedito Mucuim;
o Sr. Raimundo Macaco; o Sr. Manoel Boto e seu filho Tote Boto; o Sr. Bento
Jabuti; o Sr. Manoel Socó; o Sr. Dico Jacaré; o Sr. Daniel Capivara e seu filho
Zito Capivara; os filhos do Sr. André Guaríba; o Sr. Manoel Garça; o Sr. Armínio
Onça; o Sr. José Pacu; o Sr. Manoel Suçuarana; o Sr. Joaquim Peixe-Boi; os
netos do Sr. Chico Padre e outros.
E quem deu armas a essa gente toda,
inquiriu o advogado-policial. Responde Joaquim Turra: Foi o Sr. João Rola...
Sabe-se que o advogado em missão
policial, à míngua de maiores informes
nominais para identificar os saqueadores, concluiu o inquérito sem poder
indiciar os culpados em seus verdadeiros nomes, e o inquérito encaminhado à autoridade judiciária competente, por
falta de base para a denúncia, foi arquivado, sem prejuízo do que dispõe o
artigo 18 do Código de Processo Penal.
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