CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

segunda-feira, setembro 02, 2013

CORPO DE BOMBEIROS: CORONEL ALCANTARA


Estou ultimando um trabalho literário sobre o Corpo de Bombeiros. Para complementar esta retrospectiva, entrevistei o coronel BM Franz Marinho de Alcântara (1952-) que durante cinco anos exerceu o comando do Corpo de Bombeiros Militar do Amazonas. A conversa ocorreu em junho de 2008. Para melhor entendimento, coronel Alcântara preferiu conversar, contando com a presença do chefe do Estado Maior, coronel BM Marcos Antônio Rodrigues Ferreira (1957-). Assim, foram dispensadas perguntas prévias. Em resumo, o ex-comandante dos Bombeiros efetuou um momentâneo relato de seus empreendimentos. Aqui e ali, houve uma intromissão, seja do autor seja do chefe do EM.

Tenente Alcântara, ao ingressar
na Polícia Militar 
Roberto Mendonça (iniciando a conversa) - Em que condições o senhor assumiu o comando do Corpo de Bombeiros?
Franz Marinho de Alcântara - Em uma tarde de março de 2001, fui chamado ao quartel pelo coronel Mael Sá, então interventor nos Bombeiros. Surpreso, pois já estava consciente da minha transferência para a reserva, nada mais esperava. Sem saber do assunto, aqui cheguei e, acompanhado do então tenente coronel Marcos Ferreira, fui recebido pelo comandante que, sem perguntas ou explicações, me passou um molho de chaves do quartel, afirmando que a partir daquele instante, eu havia assumido o comando do Corpo de Bombeiros Militar do Amazonas (CBMAM). Disse-lhe: Não, coronel, não é assim não! E tentei argumentar, mas o coronel Sá foi incisivo, assegurando-me que já havia conversado com o governador Amazonino Mendes, que aceitara a indicação. E mais, minha nomeação já se encontrava no periódico oficial.

Coronel Marcos Ferreira,
posando com o sino
histórico, no quartel dos
Bombeiros
RM – O secretário de Segurança era...
FMZ – ...o vice governador Omar Aziz, que substituía Klinger Costa. Então, deixei de argumentar, para me preparar para a batalha. No dia seguinte, 23 de março, reuni os oficiais e, após dar-lhes ciência do decreto governamental, dei início ao trabalho. Tudo passava por dificuldades. As viaturas, a base de sustentação de um serviço de Bombeiros, estavam paradas. Apenas três tinham condições de emprego. O pessoal, notadamente os praças, diante das controvérsias, pois não entendiam o rumo que tomava a corporação, pensavam em retornar à Polícia Militar. Enfrentei os desafios, que não foram de maneira alguma simples.
Alguns dias depois, preparado um Relatório sobre a situação da instituição, procurei o governador do Estado.
Suas palavras foram duras: não há verbas para recuperar as viaturas. Houve, confesso aqui, um momento de desânimo de minha parte. Pensei desistir. Ao mesmo tempo, pensei que não podia abandonar o desafio. Se eu aceitara o comando, por que fugir? De retorno ao quartel, decidi: vou voltar e recuperar as viaturas. Todas as viaturas!

RM - E quantas viaturas o Corpo possuía? 
FMA - Possuía 10 viaturas de combate a incêndios na capital, e mais duas em unidades do Interior (Itacoatiara e Manacapuru). Um pouco depois, desloquei uma para o quartel de Parintins e ficamos mais reduzidos. Como se sabe, estas viaturas estão divididas por lote de aquisição. Temos um, adquirido na Alemanha, ainda em 1974, portanto com mais de 30 anos funcionando. Outro, adquirido há cerca de 20 anos, no governo Gilberto Mestrinho (1983-87). Por tanto, o sucateamento era quase total. Lembro-me de que consertei viatura parada, inservível, há mais de 10 anos, e mais, encontrei veículos com guia de recolhimento para a SEAD (secretaria de Estado da Administração), com finalidade de ser leiloados.
Ora, se não havia dinheiro para adquirir, como me assegurou o governador, essa dificuldade me impunha o compromisso de recuperá-las. E, foi o que fiz, ao longo de alguns anos, claro. O orçamento era o maior entrave, por isso, somente em 2004, acabei de recuperar todas as viaturas. São estes os carros de combate que estão operando, acontece que estes, já deram o que tinham que dar. Assim, diante dos obstáculos existentes: de um lado, a Cidade crescendo extraordinariamente e, de outro, os Bombeiros não acompanhando em todos os sentidos essa evolução, passei a buscar junto à sociedade projetos alternativos.
Possuo uma filosofia de trabalho que busco passar para os subordinados, a de que, a missão confiada aos Bombeiros Militar, por menor que seja, deve ser realizada da melhor maneira possível. Este deve ser o diferencial.

Para isso, procurei investir no homem. Este foi um dos grandes desafios, por entender que o homem precisa ser estimulado, estar bem física e mental para desempenhar suas atividades. Em especial, a atividade de Bombeiros, que exige por demais do pessoal. Conversei bastante com todos. Precisava demonstrar a eles por que viera comandar o Corpo. Precisava resgatar a auto-estima da tropa. Em grande parte, consegui. Quando cheguei, encontrei a tropa desmotivada, desorientada e muitos agradeciam a minha presença no comando, porque estavam querendo retornar à PMAM, porque temiam o rumo que o Corpo de Bombeiros estava tomando.

RM – Um parêntese. Em sua opinião, que saiu confuso na separação dos Bombeiros?
FMA – A separação foi importantíssima. Agora, a forma como foi procedida, um pouco desastrosa e traumática, deixou feridas na Polícia Militar. Até hoje, passado 8 anos, ainda percebo estes traumas. Tanto que, em situações que podem ajudar, eles obstacularizam para o CBM. E o CBM, somente não voltou para a PMAM, devido ao pedido do interventor, coronel Mael Sá. Os falatórios desanimadores que circularam, à época, serviram-me de estímulo, tanto que trabalhei e trabalhei para demonstrar que tínhamos capacidade de administrar o Corpo de Bombeiros com competência. Aqui está o resultado!

Hoje, o Bombeiro é outro. Não só resgatamos a auto-estima da tropa, como reconquistamos o respeito e a confiança da sociedade. E mais, depois de conquistarmos este prestígio a nível local, o fizemos nacional.

RM – Licença, coronel. Depois voltamos aqui. Mas, fale dos projetos alternativos.
FMA – Temos alguns projetos. O primeiro é o da Motocicleta Pioneira, que já é uma realidade nacional, copiado a nível nacional. Com ele participamos do SENABOM, em 2004, quando fizemos uma expusemos o projeto para todo o Brasil. Na ocasião, demonstramo-no na arena da Expo, onde, sem falsa modéstia, nosso estande foi o mais visitado. Ali, o Brasil aplaudiu o Corpo de Bombeiros do Amazonas...

RM – ... diria que este projeto teve mais repercussão nacional, que local.
FMA- _ Muito mais. Tanto que, fui premiado em vários estados do Brasil, mas muito pouco na terra, como a ratificar o adágio: santo de casa não faz milagres. Basta observar a estante de troféus existente no comando geral, para confirmar a exatidão de minhas palavras.
Instalei o projeto da Motocicleta, visando atender o grande número de incêndios na Manaus Antiga. Ali se encontram prédios centenários, de fácil combustão, com rede elétrica precária e em locais de acesso embaraçoso. Ali, sempre que acontecia um incêndio, era um problema. Então, trabalhamos na prevenção, de sorte que hoje naquele espaço os sinistros são de pequena monta.

RM – Que outro projeto o CB desenvolveu, coronel Alcântara?
FMA – Foi o projeto do Hovercraft, destinado à prevenção e salvamento aquático, para ser utilizado, sobretudo, em pântanos e outros alagados. Foi construído inteiramente em nossas oficinas, desde o casco. Mas, devido ao valor bastante elevado, vem sendo produzido de forma mais lenta.

RM – Pergunto se está funcionando, pois as características de nosso interior são bastante diferentes do que vimos na aplicação, esclareço, pela TV.
FMA — Penso um pouco mais adiante. Disse ao governador (Eduardo Braga): se tivessemos mais desses veículos, quando da estiagem que atingiu o Amazonas, ano passado, não teríamos tido tantos prejuízos. Apenas um detalhe, ainda falando da estiagem. Quando sobrevoamos a região, observei varias balsas encalhadas, isto fez com que a produção regional se perdesse. Na hipótese da existência do Hovercraft, que circula sobre uma pequena lâmina de água ou até sobre a terra, teríamos salvado grande parte da produção. Diante da enorme soma de dinheiro para concluí-lo, transformei-o em aerobarco.

Marcos Ferreira — Quero acrescentar que o investimento em pesquisa é importante, quanto gasta a Nasa para manter este setor? Todavia, poucos têm compreensão de que a pesquisa em órgão público deve ser estimulada. Nos Bombeiros, o comandante a estimula, tanto que instalou a Diretoria de Ensino, Instrução e Pesquisa (Deipo), que vem cumprindo a contento seu objetivo.
FMA — Entre outros projetos, quero falar de um, que até o adjetivo de audacioso: o da construção de carros. Projetamos e construímos viaturas de combate a incêndio aqui, no Corpo de Bombeiros do Amazonas. Já construímos duas, sendo uma para combate a incêndio de pequeno porte e outra, para grande porte. É um projeto audacioso, inédito, não apenas para os Bombeiros do Amazonas, mas para os do Brasil.
No país, quando os Bombeiros desejam adquirir viaturas, buscam as fábricas, informam suas necessidades e recebem prontas. No nosso caso, construímos para a realidade regional, testando nossas necessidades. Entretanto, nem aqui se acreditava na consecução deste projeto. Então reuni oficiais e demais praças para colocá-los a par do empreendimento, de que, se realizado, seria nossa redenção. O próprio presidente da comissão – coronel Reginaldo Lima, ao final, confessou que não acreditava no projeto, mas que trabalhou, porque viu meu brutal entusiasmo, minha enorme empolgação.

Ai está o resultado: uma viatura com um tanque de 600 litros, com uma bomba de alta pressão e baixa vazão, empregada com sucesso em acidentes com veículos. Se houver incêndio, os Bombeiros apagam; se houver pessoa presa nas ferragens, resgatam com o desencarcerador; se houver necessidade de limpeza da pista, também há material. Pequena, de grande mobilidade, a viatura vem fazendo sucesso.
A outra viatura: o ABT 18, equipado com tanque para 5000 litros de água, com uma bomba de 750 galões/minuto. Vem sendo a viatura mais importante para nosso trabalho. Acabamos com o improviso, que era levar os Bombeiros em uma gaiola. Pensamos: se nós obrigamos aos outros ao cumprimento de varias exigências de segurança, temos o dever de dar o exemplo. Por isso, instalamos a cabine dupla, onde o homem dispõe de segurança e conforto. 

MF – Desejo lembrar que temos estimulado todos os componentes do CBM, no sentido de que encaminhem ao comando qualquer projeto...
FMA – ... o exemplo mais patente desta iniciativa foi o projeto Caiaque, do soldado H. Moraes (José Helio Cardoso de Moraes), destinado a prevenir e salvar vidas nas praias e balneários, em especial, na praia da Ponta Negra. No primeiro instante, na piscina do quartel, treinamos uma equipe sob a supervisão do tenente Sulemar (do Nascimento Barroso), do sargento Liberato (José Fernando Liberato Fernandes), campeão amazonense de remo, do autor do projeto e mais soldados.
Determinei que o treinamento fosse encerrado na Ponta Negra, no final de semana, a fim de testá-lo na prática. Na quinta-feira, na Ponta Negra, testávamos o projeto, quando fomos testados. Uma pessoa resolveu nadar até um bóia de sinalização, há cerca de 600 metros, e estava se afogando. A equipe prontamente alcançou o afogado, realizando o salvamento conforme treinamento. Diante desta demonstração ao vivo, entendi que o projeto Caiaque estava plenamente aprovado. Salvar vida, não tem preço! Por isso, mandamos construir três caiaques, com algumas modificações para adequá-los ao serviço, e breve estarão nas praias.  (segue)

Nenhum comentário:

Postar um comentário