No centro da cidade, este
logradouro já possuiu diversas nomenclaturas, a atual é Heliodoro Balbi, mas
quem o conhece por esta designação? Raros. No entanto, o codinome imposto pela
população, de Praça da Polícia, todos conhecem. A praça que surgiu no período provincial,
recebeu esta alcunha devido a existência do quartel da Polícia Militar no seu
entorno. Em nossos dias, a praça se encontra descuidada, desfigurada e invadida
por delinquentes, além de abandonada há tempos pela Banda de Música.Esta postagem pertence ao saudoso
acadêmico João Nogueira da Mata (1909-91), inserta em sua obra Manaus por
Dentro, editada em 1988. A dissertação evidencia o manauara que conheceu
sua cidade em detalhes. Nascido na Cachoeirinha, passou pelo Palácio Rio Negro,
ingressou na Academia Amazonense de Letras, e dedicou os derradeiros dias a
escrever sobre a Amazônia.
Das
praças com que hoje inda contamos,/ nesta
Manaus algumas vezes quente,/ a
Praça da Polícia, realmente,/ constitui
um oásis que estimamos.
Eis como a vê o poeta, in
“Manaus de Sempre”, livro já em plena divulgação. Praça tradicional da cidade,
que vem de longos anos, como espaço admirável para o repouso do povo nos dias
mais intensos de canícula.
Há
anos parecia mais fagueira,/ os
canteiros com grades ogivais,/ as
piscinas com peixes regionais,/ e
as aves que a tornavam mais fagueira.
De feito, na década de vinte
[1920], parecia mais alegre, com canteiros bem cuidados por jardineiros
portugueses. Suas piscinas exibiam peixes que despertavam a curiosidade de
todos, como o pirarucu e o peixe-boi, o tambaqui e a pirapitinga. Lontras,
tartarugas e outros quelônios, todos muito bem tratados. Fazia gosto vê-los
assim no ambiente natural, e de suma importância para os habitantes da cidade.
Romântico quando as crianças, em grupos saltitantes, davam nacos de guloseimas
para os peixes.
Suave
a cobertura bem umbrosa/ do
arvoredo, nas horas de lazer,/ em
que o povo, tomado de prazer,/ achava
paz na vida trabalhosa.
Evidentemente, é a mais
autêntica de nossas praças públicas, pelo número vultoso de árvores que a
circundam. Árvores nossas, exibindo espécies importantes da Hileia de Humboldt,
com cerca de quatro mil tipos diferentes. Sob suas copas frondosas, que
amenizam o calor do verão, os frequentadores dela, em verdade encontram prazer,
pelas manhãs e pelas tardes, quando procuram o repouso depois do trabalho.
Das
retretas foi praça consagrada,/ às
quintas e domingos, sem falhar, / com a banda da Polícia Militar,/ música
apresentando requintada.
Época sem dúvida romântica, essa das retretas, não só na Praça da Polícia, senão também na Praça General Osorio, de mangueiras frondejantes. Inteiramente franqueadas às gerações novas cheias de devaneios exultantes. Cerca de duas horas de entretenimento, só encerrado com o toque altissonante nos quarteis até então em pleno funcionamento. Terminado o recreio salutar, que estimulava os jovens ainda sob o influxo da adolescência, os casais rumavam para casa plenamente felizes porque era o recreio de sua predileção.
Quando as Revoluções eclodiram em Manaus, alterando o ritmo de vida da cidade, a Polícia Militar chegou a ser atingida [1930]. Fechou-se o quartel tradicional. Transformaram-no em Escola Normal. Pois bem, imposto o recesso aos heróis da guerra de Canudos, com Cândido Mariano à vanguarda, nem assim as retretas deixaram de existir. Por interferência de elementos de prestígio perante as autoridades então no poder, a “A Banda dos Abandonados” -- ex-músicos da Polícia Militar -- voltou a deliciar o público, às quintas-feiras e domingos, com escolhido repertório.
Outra curiosidade da Praça:
nela está instalado o Clube da Madrugada, debaixo de antigo mulateiro. A árvore
que, na crença popular, jamais envelhece. De tempos em tempos muda a casca, à semelhança
das cobras, e assim se renova. É voz corrente que o Clube da Madrugada, lançado
por um grupo de intelectuais — Farias de Carvalho, Jorge Tufic, Alencar e
Silva, e tantos outros — conhece o segredo da eterna juventude. Quem a ele
pertence, com o juramento no pé da árvore, só vê tempo passar, mas continua inflexível
como as sumaumeiras. E os novos, que aderem inebriados com a poesia moderna,
esses se tornam também da força inexaurível dos mais antigos. (...)
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