domingo, julho 15, 2012

TENENTE ANACLETO LISBOA (2)


Zuavo provincial, que zelava
pelo quartel da Praça da Polícia
Ainda no serviço ativo da Polícia Militar, em 1992, eu prestava serviço à presidência da Assembleia Legislativa do Estado, quando escrevi minha primeira contribuição na imprensa, no Diário do Amazonas. Aproveitei a data da morte do tenente Anacleto Lisboa como motivação, afinal este oficial, absolutamente esquecido na corporação, morrera em 1962 após cumprir arriscada missão no então município de Abufari.

O município de Abufari foi um dos tantos criados no governo de Plínio Coelho (1955-59) que, sem viabilidade e estrutura, morreu no nascedouro.

Sobre o infausto acontecimento, o padre-poeta Luiz Ruas, que na época frequentava o Clube da Madrugada e o Café do Pina, ambos na ilharga do quartel da praça da Polícia, e conhecia “de vista” o tenente Lisboa, escreveu o texto abaixo. 

E fiz esta transcrição de seu livro Linha d´água: crônicas (Rio: Edições Fundação Cultural do Amazonas/Artenova, 1970).

Tenente Lisboa

Atravessou, ontem, a cidade, o cortejo fúnebre que acompanhou até o Cemitério São João Batista os despojos do Tenente Lisboa [Anacleto Moraes Lisboa].
A violência do impacto provocado pela morte fulminante do jovem oficial da nossa Polícia Militar sacudiu e concentrou a atenção de todos em torno do acontecimento, lamentável por vários motivos.

Em primeiro lugar, temos que pensar, somos forçados a pensar, na situação de completo abandono em que se encontram os habitantes do nosso interior e, em particular, o nosso caboclo. É quase inacreditável que, em pleno século XX, ainda assistamos chacinas desse tipo. A notícia das atrocidades que foram praticadas no município de Abufari, nos evocaram, sem dificuldades, histórias e cenas das primeiras tentativas de colonização do Brasil, no início do século XVI. No entanto, aconteceu.

Quartel da Polícia Militar e o Café do Pina (encoberto), 1974
Lamentamos, também, e, principalmente, a irresponsabilidade dos órgãos federais encarregados da proteção aos nossos índios. Este fato vem comprovar, mais uma vez, que o Serviço [de Proteção aos Índios], absolutamente, não está cumprindo sua finalidade. Afirma-se que não podemos incriminar a seção local. Dizem que os funcionários estão inteiramente impossibilitados de realizar sua missão por falta de recursos materiais e de elementos humanos. Seja. Mas, não há dúvida, o maior responsável pela tragédia ocorrida é o Serviço de Proteção aos Índios pela sua incúria, pelo seu desmazelo, pela sua não-atuação, pela sua ausência completa. Se este órgão desempenhasse efetivamente suas atividades não estaríamos, agora, lamentando tantas mortes e, em especial, a deste jovem Tenente Lisboa.

Mas, se não podemos deixar de prantear o desaparecimento do Tenente Lisboa, resta-nos o consolo de lançar sobre seu túmulo as flores do louvor pela grandeza de sua disciplina de verdadeiro soldado, capaz de cumprir seu dever mesmo correndo o risco extremo de perder a vida.

Nesta hora de tanta irresponsabilidade, nesta hora em que pululam os que se omitem dos seus compromissos apenas por egoísmo, por interesses ou por outros sentimentos semelhantes, a figura deste jovem oficial se ergue diante de nós como símbolo de todos quantos sabem guardar dentro de si a retilineidade dos heróis.

Não sei se ele tinha filhos, pois, apenas, o conhecia de vista.

Mas, se os tinha, não resta dúvida que a maior herança que eles receberam, foi a morte de seu pai. Porque foi, acima de tudo, a morte de um verdadeiro homem e de um verdadeiro soldado. E, se é verdade que é a morte que explica a vida, mesmo sem conhecer de perto a vida do Tenente Lisboa, podemos dizer, sem medo de errar que foi limpa, correta e elevada.

Assinatura do autor: Luiz Ruas
E esta herança não se restringe, apenas, aos filhos. Estende-se, também, aos seus companheiros de milícia, estende-se à Polícia Militar, que se vê aureolada, na pessoa de um de seus soldados, com a luz que circunda a memória dos heróis. Resta, agora, que a Polícia Militar continue seguindo a trilha gloriosa de homens como o Tenente Lisboa que, com certeza, já conquistou, na memória de todos os seus companheiros de caserna, um lugar privilegiado e imorredouro e se inscreveu, nas páginas de sua história, como um dos mais
cintilan
tes nomes.

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